sábado, 30 de abril de 2011

Catfish

Dizem que de tempos em tempos o cinema faz filmes que definem gerações. O site Hollywodiano fez um interessante artigo analisando diversos momentos dessa história . Recentemente foi lançado “A Rede Social”, dito como o filme que define o momento que estamos passando. Porém, se formos analisar a sociedade atual apenas pelos vieses da comunicação e das redes sociais, “A Rede Social” está longe de ser o melhor exemplo para nos definir.

Definição melhor do que passamos está em “Catfish”, um documentário americano lançado ano passado. O filme foi dirigido Henry Joost e Ariel Schulman e mostra o que nos tornamos através das redes sociais. Ou o que podemos nos tornar. O poder da rede é mostrado sutilmente, através da análise humana dos fatos.

O trailer do filme já é curioso: mostra como o fotógrafo Nev se envolve com a surpreendente Megan através do Facebook. Falar mais que isso é estragar muita coisa. O próprio trailer diz para não se ler spoilers. Outras frases nos trailers contam como o “melhor suspense de Hitchcock não feito por Hitchcock” e “os quarenta minutos finais vão te levar numa emocionante montanha-russa sentimental”. E não é uma falsa demagogia.

A partir daqui, aconselho a ler só quem assistiu.

Relacionamentos virtuais.... Não lembro de quase ninguém abaixo dos 30 anos e ativo virtualmente que nunca tenha se apaixonado por alguém através da rede. Entretanto, foram pouquíssimos relacionamentos assim que vi darem certo.

E quem nunca mentiu na internet? Seja idade, altura, peso, nome, cidade... ou tudo isso junto. Mentir na internet é fácil, quando o interlocutor não está ali pessoalmente para te confrontar. Acho que de certa forma todos assumimos personagens virtuais. Eles são uma versão melhorada do que somos no mundo real. Alguns exageram, outros mudam quase nada. Mas ainda assim: é “fácil” mentir.

É por isso que “Catfish” é importante para o momento atual. Com a popularização das redes sociais, até que ponto podemos acreditar naquilo que lemos? Até que ponto estamos sendo ludibriando ou sendo ludibriados?? (Nota mental: curioso que eu tenha assistido ao filme justo no Dia da Mentira).

Eu não julgo a Angela. Com uma vida complicada que ela tem, ela usava internet como uma válvula de escape onde tudo era bonito. Tudo maravilhoso e os problemas não existiam. Apesar de o filme pincelar um distúrbio de mitomania de Angela, ele nunca deixa isso muito explícito já que ela assume rapidamente – quando confrontada – as suas mentiras. Além disso, ela é mostrada como uma mãe e esposa dedicada, principalmente ao cuidar de seus enteados deficientes.

Entretanto, quem soube carregar o filme sem cair no piegas foi Nev. Apesar de ele ser o protagonista e estarmos acompanhando in loco as suas reações a cada descoberta, ele soube administrar os próprios sentimentos e não cair em pré-julgamentos. Ele foi atrás da verdade e se surpreendeu com ela. Assim como nós nos surpreendemos.

O filme é sim um turbilhão de sensações. O suspense de quando Nev chega à fazenda de Megan é logo substituído pelo afeto que pegamos pela Angela. A raiva que sentimos em certa altura acaba virando piedade. E é difícil não se identificar com um ou com o outro, ou até mesmo com os dois.

Catfish” deveria ser um filme visto por todos que vivem ativamente no mundo virtual. Faz repensar atitudes e pensamentos. E mostra, quase sem querer, o poder que a internet tem.

Hey, Mr Tamborine Man

O cinema nacional tem aprendido uma ótima lição nos últimos anos: há mais coisas para se mostrar nas telas do que problemas sociais. Não desmerecendo, mas focar a produção nacional apenas em pobreza, favelas e crises sociais estava ficando cansativo, chato e repetitivo. É interessante, portanto, quem foge dessa linha. Entretanto, ainda se filma muita bobeira à laSe Eu Fosse Você” que está de olho em grandes bilheterias.

Por causa disso, fiquei supreso ao assistir “Os Famosos e os Duendes da Morte”. O filme não trata de problemas sociais. O filme não almeja grandes bilheterias. Ele é apenas um bom filme com uma boa história para contar.

Ele se passa no interior gaúcho, numa cidadezinha de colonização alemã onde reside o protagonista (Henrique Larré). Fã de Bob Dylan, Larré interpreta um blogueiro que vive mais na internet do que no mundo real, tentando entender o que acontece consigo, com sua mãe, e com toda a cidade animadíssima para a festa junina da região. Aliás, ele não tenta entender. Ele vive isso. Passa por isso de maneira melancólica, isolado do mundo e atravessando a adolescência (a tal fase mais complicada da vida).

Adaptado do romance homônimo de Ismael Caneppele, “Os Famosos e os Duendes da Morte” é um filme poético. A parte técnica é um primor: brilhantemente fotografado e editado. O frio gaúcho é mostrado na tela, junto com suas grandes plantações, enfatizando ainda mais a sensação de isolamento do Mr. Tamborine Man. O ator principal, Henrique Larré, parece um adolescente comum, mas ele tem no olhar e no modo de falar uma naturalidade ímpar. Soa tão natural que é difícil não se envolver em seus dramas.

O diretor é Esmir Filho em sua estreia com longa-metragens. Com uma lista de curtas no currículo (entre eles o webhit "Tapa na Pantera"), Esmir conseguiu mostrar uma maturidade incomum para um diretor estreante. O filme não apela para o sentimentalismo. Nem cai no clichê do adolescente babaca. Nesse ponto, ele dialoga com Gus Van Sant, que com "Elefante" e "Paranoid Park" soube mostrar uma adolescência problemática, mas também melancólica e questionadora e que reconhece suas limitações no mundo. Essa fase de transição é metaforicamente mostrada no filme através de uma ponte (importante para a história, pois é dela que as pessoas da cidade se jogam em suicídio). Atravessar a ponte é cruzar a “tentação” de pôr fim aos problemas da maneira mais rápida e fatal. Atravessar a ponte é crescer. Esmir Filho atravessou.

 
©2007 '' Por Elke di Barros